RECURSOS DIGITAIS NO ENSINO DE LÍNGUAS: UMA ANÁLISE DO "SIMPÓSIO HIPERTEXTO"

    Tarcízio Reis de Jesus (Mestrando / UFS / tarcizio.letras@gmail.com)

    Resumo: Este artigo propõe uma discussão acerca do uso de recursos digitais no ensino de línguas. Como base para essa pesquisa, foi traçado um histórico do Simpósio Hipertexto, evento multidisciplinar organizado pelo Núcleo de Estudos e Tecnologias na Educação (Nehte), que teve sua primeira edição em 2006, e tem sua 6ª edição agendada para 2015. Através de uma pesquisa feita em Anais e Periódicos do Nehte, constituiu-se um corpus através de trabalhos que abordam o uso das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) englobando juntamente o hipertexto, os blogs e as redes sociais. Para a realização desse estudo, foram utilizados como aporte teórico Xavier (2010), Lèvy (2003), Marcuschi (2001), Soares (2002), Ramal (2000) e Alonso (2008).

    Palavras-chave: Hipertexto; TIC; Ensino de línguas.

     

    1 Introdução

    Organizado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Xavier, em sua primeira edição, o Simpósio Hipertexto trouxe discussões sobre as potencialidades das tecnologias digitas da informação e comunicação, e dentro dessa perspectiva, como elas vem sendo incorporadas no ensino.

    No ano de 2008, aconteceu a segunda edição, com a temática "Multimodalidade e Ensino". Nessa mesma edição, para constituir o primeiro volume dos Anais Eletrônicos, foram selecionados 78 trabalhos, abrangendo as áreas de Letras, Educação, Informática e Linguística. Já a terceira edição (2010) trouxe a temática "Redes Sociais e Aprendizagem", e o volume de trabalhos selecionados e publicados nos Anais Eletrônicos foi bem maior que o da edição anterior, chegando a ultrapassar duzentos artigos. O evento ainda contou com a presença do filósofo e pesquisador Pierre Lèvy, pioneiro nos estudos voltados à Cibercultura e às mudanças na sociedade a partir do advento da internet e das novas tecnologias da comunicação e informação.

    O 4º Simpósio Hipertexto (2012) veio com a temática "Comunidade e Aprendizagem em Rede". Nessa edição, o número de publicações manteve-se proporcional ao evento anterior, chegando à marca de 209 artigos publicados.

    O mais recente evento aconteceu em 2013. A 5ª edição do Simpósio Hipertexto, que trouxe a abordagem "Aprendizagem móvel dentro e fora da escola" deu continuidade às temáticas trazidas desde suas primeiras edições. Tendo como público-alvo: professores, estudantes e pesquisadores de diversas áreas, os debates do evento giram em torno de questões que problematizam as tecnologias em meio ao aprendizado de línguas.

    Em 2015, ano em que acontece a 6ª edição do Simpósio, a temática abordada será "Aprendizagem Aberta e Invertida". A organização dessa edição está definida pelas linhas de pesquisa: linguagem, tecnologia e aprendizagem - que estão divididas em 10 (dez) eixos temáticos. O roteiro do "Simpósio Hipertexto" (edição 2015) traz a seguinte programação: conferências – propostas pela organização do evento, mesas redondas com diversos temas para debate, oficinas temáticas, sessões de comunicação coordenada – propostas e realizadas pelos expositores (professor orientador); sessões de comunicação individual – aberta a todos os níveis de graduação (tendo como objetivo a socialização de experiências científicas com base no uso de tecnologias na educação), apresentação de pôsteres digitais – oportunidade para o aluno em nível de iniciação científica, Espaço Artes Digitais e Tecnologias Educacionais – exposição dos trabalhos selecionados na edição vigente do Prêmio Hipertexto, e por fim, o Troféu Luiz Antônio Marcuschi – nome que atribui homenagem ao professor aposentado do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco.

     

    2 Hipertexto e Ensino de Línguas

    O termo hipertexto foi criado pelo filósofo e sociólogo estadunidense Theodor Holm Nelson em 1964, para "[...] exprimir a ideia de escrita/leitura não linear em um sistema de informática [...]" (Nelson, 1964 apud Lévy, 1993, p.17). Para Nelson, essa forma não sequencial permitia que o leitor traçasse o seu próprio trajeto de leitura, dando a ele a autonomia em escolhas feitas no espaço ilimitado da Internet. Seguindo esse preceito de não linearidade, o termo, que engloba uma dimensão de complexidade discutida por vários teóricos interessados no estudo de gêneros textuais, tem fomentado os estudos nessa área desde o seu surgimento.

    Imagem 1 – Mapa conceitual sobre hipertexto / Fonte: Aprendizagens

    Aclarando a discussão que transcorre acerca das possibilidades de uso do meio digital como espaço de produção escrita, sobre o hipertexto Marcuschi (2001, p.81) nos diz que: "[...] mais que um desafio à tradicional noção de linearização é um evento adequado para se rever a noção hoje ainda praticada na linguística quando se fala em linearização". Com essa afirmação, o autor discute a temática como forma de repensar práticas já arraigadas no ensino de línguas, onde a "novidade" trazida na perspectiva de se trabalhar o hipertexto, torna-se muitas vezes polêmica.

    Observamos também que, nesse novo espaço de escrita, definição dada por Bolter (1991) é onde se dá não só a recepção, mas também a produção dos textos determinada pela tecnologia de escrita disponível. A escrita no monitor está sujeita a constantes alterações. No texto impresso, ela limita-se e o leitor assume o papel de apenas receptor. Para Soares (2002, p.151):

    [...] a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. (SOARES, 2002, p.151).

    Num contexto que envolve formas de repensar as práticas voltadas ao ensino de línguas, além da linguística, para outras áreas que também entram no campo de uso da(s) linguagem(s), tais como: Comunicação e Informática, discutir o hipertexto seria traçar um caminho em busca da resolução de uma série de fatores que envolvem a produção de gêneros textuais no ambiente do ciberespaço. Nesse caminho segue o "Simpósio Hipertexto". De caráter multidisciplinar, esse evento torna-se um espaço propício a diálogos com todas as áreas interessadas na relação entre ensino/aprendizagem e o uso das TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação. Quando Lévy (1993, p. 24) afirma que: "O hipertexto é dinâmico, está perpetuamente em movimento", revela sua complexidade, e isso nos leva a pensar em uma construção colaborativa de conhecimentos. De acordo com Ramal (2000):

    Dentro do hipertexto existem vários links, que permitem tecer o caminho para outras janelas, conectando algumas expressões com novos textos, fazendo com que estes se distanciem da linearidade da página e se pareçam mais com uma rede. (RAMAL, 2000, p.5).

    Nesse sentido de escolha, onde o hiperleitor navega e traça o seu próprio caminho de leitura, Ramal (2000) conceitua a construção de uma rede que se constrói através dos links, que se entendem como nós formadores de novos textos. No processo de hiperleitura, um link leva a um novo texto, e esse complementa o anterior com uma nova informação.

     

    3 Conceituando as TIC

    Incorporadas às novas configurações inerentes ao Advento da Internet, as TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) marcam presença em situações do dia a dia, como: acesso a redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter...), a sites de compra e venda, localização via GPS, além de comodidade em serviços bancários.

    Vídeo 1 – Evolução das TIC, conceitos e fundamentos / Fonte: CEFOR

    Essas são algumas das várias funções disponibilizadas por essas novas tecnologias que, sendo pouco a pouco incorporadas no nosso cotidiano, ou modus vivendi, como diz Xavier (2010), tornaram-se parte integrante desse modelo de sociedade. Nesse mesmo tocante Xavier (2010, p. 4) diz que:

    Essa adesão a novos equipamentos de comunicação pelos sujeitos contemporâneos lhe confere, sem dúvida, acessibilidade a uma grande quantidade de informação e a possibilidade de usufruir de todas as vantagens da ampliação dos processos de comunicação viabilizados por tais equipamentos. (XAVIER, 2010, p. 4).

    De acordo com França (2014), “Em decorrência desse novo modo de operação, a comunicação de massa vai sendo reformatada, passando a voltar-se para nichos específicos e para atender às demandas da segmentação de públicos, com vistas a manter, ou tentar manter, a sua hegemonia”. E em meio à assustadora quantidade de informações presentes na rede em que se permite essa praticidade em serviços, temos a impressão de mergulho em um oceano, ou melhor, em um dilúvio de informações, assim como define Lèvy (1993).

    Através dessa perspectiva de acesso a uma infinidade de informações residentes no ambiente virtual, por meio de análise de alguns trabalhos acadêmicos, discutiremos como vem sendo abordado o conceito de uso das TIC em âmbito educacional. Levando em consideração que:

    As TIC, ao se estenderem a todos os âmbitos da sociedade humana, modificam nossas percepções sobre o sociocultural e sobre o político-econômico, fazendo brotar uma ideologia que traz, em seu âmago, a ideia de acesso irrestrito e universal à informação, confluindo na certeza de que a digitalização, como realidade inevitável, transformará o mundo. (ALONSO, 2008, p.753).

    Desse modo, sem abandonar a criticidade com relação ao uso das mesmas, assim como Alonso (2008) discorre em seu texto sobre a formação de professores nesse sistema complexo que envolve a significação das TIC no ambiente educacional – à distância ou presencial, analisaremos suas contribuições significativas ao estudo de línguas.

     

    4 Aspectos metodológicos e análise do corpus

    Para constituir o corpus deste artigo, foi feita uma busca através dos sites que dão acesso aos Anais Eletrônicos do "Simpósio Hipertexto" referente às edições de 2008 a 2013. Buscou-se usar como critério de seleção, uma filtragem dos artigos que abrangessem especificamente a área de estudos linguísticos, para que em seguida fossem analisados de forma que trouxessem abordagens acerca do uso dos recursos digitais no ensino de línguas. Na medida em que a busca tomou avanço, onde em primeiro momento foram selecionados 86 artigos, chegou-se à seleção de 1 (um) artigo por edição, totalizando 4 (quatro) trabalhos que trazem na abordagem o uso do hipertexto, de blogs e redes sociais no contexto aqui discutido. Em seguida, foi feita uma relação de todos esses trabalhos em uma tabela (ver Tabela 1) onde se especifica título e autoria de cada uma das produções.

    Tabela 1– Artigos dos Anais (2008-2013) / Fonte: Próprio Autor

    ANO: TÍTULO AUTOR(ES)
    2008: Blogs literários como gênero do discurso: uma contribuição para a formação do leitor/autor. Maria Leopoldina Pereira (PPGE/UFJF)
    2010: Procedimentos linguístico-discursivos utilizados pelos twitteiros para a composição de um texto sintético. Isaac Itamar de Mello Costa (UFRPE) José André de Lira Silva (UFRPE)
    2012: Hipertexto nas aulas de Inglês. Cristina Aurélia Rezende Ozório (UEG) Débora Cristina Santos e Silva (UEG)
    2013: O uso do Facebook pelos professores de língua portuguesa: trabalho com a língua/linguagem. Renalle Meneses Barros (UFCG) Rossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

     

    Em segundo momento, uma tabela com o número de produções voltadas à área de recursos digitais e ensino de línguas (ver Tabela 2).

    Tabela 2– número de produções / Fonte: Próprio Autor

      200x 2008 2010 2012 2013 Total
    Hipertexto - 9 11 11 2 35
    Blogs - 3 7 5 3 18
    Redes Sociais - 1 13 13 6 33

     

    A Tabela 2 evidencia o interesse de muitos pesquisadores no uso de alguns desses recursos digitais, que em grande parte, são utilizados no dia a dia com outras finalidades. Sendo que, o recurso que se mostrou à frente aos demais foi das "redes sociais", que corresponde a uma significativa contingência de usuários, em concorrência com as pesquisas voltadas ao estudo do hipertexto (liderança no total de trabalhos) e também dos blogs. Vemos que nas produções de 2008 prevaleceu o uso da categoria hipertexto (nove artigos) como tema abordado, em 2012 o número foi igual, já em 2013, houve uma queda para apenas dois artigos. Com as produções referentes ao uso de blogs, em 2008 o número de artigos que tratavam do tema chegou a três, em 2010 houve um aumento para sete, e em 2012 foi a cinco, caindo para três no ano seguinte. No entanto, uma das categorias analisadas mostrou maiores índices de produção desde 2010. As redes sociais, com nascimento no Orkut, trouxeram uma contribuição ao Simpósio no ano de 2008. Em 2010 o Facebook e o Twitter predominaram nas pesquisas, chegando a treze artigos que discutiam o tema, que no ano seguinte atingiu a mesma marca, caindo então para seis publicações no ano de 2013.

    Essa análise mostra a progressão de algumas dessas ferramentas tecnológicas, ao mesmo tempo em que evidencia o desuso de outras como no caso, o Orkut, que abriu caminho para as demais redes sociais nas publicações que saíram nos anais do evento, perdendo espaço para as duas novas redes que apareceram. Isso acaba revelando que as produções voltadas ao uso desse meio de comunicação seguem uma tendência de uso recorrente em meio social. No entanto, o gênero digital blog não mostrou muita diferença no seu número de produção, assim como o hipertexto, apesar de ter caído no seu último evento.

     

    5 Conclusão

    Através do percurso teórico feito com base em pesquisadores que exploram o hipertexto e os demais meios em que ele é produzido, pudemos analisar ao longo do artigo alguns aspectos importantes envolvendo letramentos, ciberespaço e o uso dos recursos digitais no ensino de línguas. Tendo em vista a realização bianual do "Simpósio Hipertexto", que promove uma inquietação entre pesquisadores que buscam tratar de discussões quanto ao uso dessas ferramentas que estão acessíveis em vários âmbitos da sociedade, no caso, as TIC, e que podem também entrar no ambiente de ensino/aprendizagem de línguas por já serem parte integrante dos mais variados contextos de produção e recepção textual.

    Com relação à análise, conclui-se que a partir das perspectivas que os trabalhos selecionados e publicados nos Anais Eletrônicos oferecem a respeito do uso de tecnologias tão presentes no dia a dia, mostra-se com bastante relevância por estarem contextualizadas com a proposta do hipertexto, e consequentemente, mostram-se verdadeiras ferramentas para se trabalhar as competências no ensino de línguas.

    Referências

    ALONSO, K. M. "Tecnologias da Informação e Comunicação e Formação de Professores: sobre rede e escolas". Educação & Sociedade. Campinas, vol. 29, p. 747-768, 2008.

    FRANÇA, L. C. M. “Letramento digital e participação social: o discurso midiático da Microsoft”. In: JAMES, Wilton et al. (orgs) Letramento e Participação Social. Aracaju, SE: Editora Criação, 2014.

    LÈVY, P. As tecnologias da inteligência - o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

    MARCUSCHI, L. A. "O hipertexto como um novo espaço de escrita". Linguagem e Ensino, Vol. 4, Nº 1, 2001, p. 79-111

    RAMAL, A. C. "Ler e escrever na cultura digital". In: Revista Pátio, ano 4, no. 14, agosto-outubro 2000, Porto Alegre, p. 21-24.

    SOARES, M. "Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura". Educação & Sociedade. [online]. 2002, vol.23, Nº 81, pp. 143-160.

    XAVIER, A. C. "A (retórica) digital das redes sociais". Anais Eletrônicos. 3º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação, 2010.