A CRIAÇÃO DE CIBERARTIGOS NO PERIÓDICO DIGITAL CIENCIDADE-CIBERPUB: UM ESTUDO DE CASO
Meyre Jane dos Santos Silva (Mestranda/UFS/meyjanne@gmail.com)
Resumo: Buscou-se analisar nesse artigo o novo gênero de produção de artigos acadêmicos, denominado ciberartigo, na primeira plataforma digital brasileira específica para este fim: Ciencidade Ciberpub. Nosso objetivo nesse ciberartigo é investigar todos os recursos que a referida plataforma disponibiliza para os pesquisadores até a publicação e circulação dos trabalhos, bem como sua contribuição para a comunidade acadêmica. Para tanto, abordaremos as questões sobre hipertexto com os principais autores do tema, dentre eles Xavier (2013) e Marcuschi (1999).
Palavras-chave: Ciberartigo; Cienciadade-ciberpub; Hipertexto.
1 Introdução
É notório que estamos vivenciando um novo momento na era digital. Os internautas da Web 2.0 passaram utilizar niknames e avatares para que pudessem ser facilmente identificados, pois eles desejam sair da condição de espectadores para se tornar agentes criadores desse mundo virtual. Nessa nova cultura do "faça você mesmo o mundo virtual", esses usuários não buscam apenas apreciar os conteúdos, eles querem participar de forma concreta. Sendo assim, são eles que produzem, alimentam e supervisionam esse mundo digital.
Diante dessa nova cultura do interacionalismo, há um crescente interesse das pessoas em experimentar cada vez mais a leitura e a escrita por essas tecnologias digitais, bem como uma significativa adesão também da comunidade acadêmica nos textos científicos. A partir dessa nova cultura de interação entre sujeitos e redes digitais, o pesquisador Antônio Carlos Xavier relata que:
Partilhando dos mesmos princípios epistemológicos, qual seja: o sujeito constrói seu próprio conhecimento amparado por parceiros e ferramentas cognitivas e sociais diversas, a teoria da cognição situada defende que a aquisição de conhecimentos passa pela compreensão de que uma cultura não é uma acumulação de saberes, antes é um conjunto de conhecimentos entrelaçados. Tal entrelaçamento de conhecimentos propicia a incorporação de novos saberes, especialmente em contextos específicos de aprendizagem. (XAVIER, 2013, p. 42).
Ainda nessa perspectiva de entrelaçamentos de conhecimentos, citada por Xavier (2013), enquadram-se também os textos acadêmicos encontrados nos artigos científicos, resenhas e fichamentos. Sendo assim, a partir desse momento histórico da internet e visando a interação da comunidade acadêmica com as novas tecnologias digitais, o pesquisador Lucas Pazoline S Ferreira criou, em 2014, o Blog Ciberartigo que visa reunir cientistas interessados em promover a colaboração entre pesquisas, além da divulgação e leitura de textos científicos.
O ciberartigo é um gênero textual que surgiu na Web e vem emergindo de forma intensa por conta do apoio encontrado nos sistemas digitais. Tem como uma das suas principais características a integração de diferentes linguagens e ferramentas que os recursos tecnológicos oferecem, sendo essa a sua principal diferença do artigo científico tradicional.
Segundo Marcuschi (2008, p.155 apud FERREIRA, 2014, p. 47), "O gênero textual refere aos textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Eles apresentam padrões sociocomunicativos característicos e diferenciados pelas características técnicas, estilísticas e institucionais". No caso do gênero ciberartigo, uma das suas principais particularidades é a possibilidade de incorporar várias ferramentas interativas e colaborativas, tais como botões para comentários ou correções.
Diferentemente do artigo tradicional, esse novo modelo de trabalho científico se distingue desde seu processo de construção até em sua natureza, na medida em que se caracteriza pela integração de diferentes linguagens e ferramentas, pois seu modelo de escrita e leitura é específico e somente possível através das tecnologias digitais. É por conta disto que o consideramos como um gênero emergente da Web.
O artigo tradicional, por sua vez, tem como uma de suas características a extensão textual. Já o ciberartigo, conforme descrito por Ferreira (2014, p. 57), "[...] segue um princípio de bom senso por parte do(s) autor(es)". Entretanto, os padrões básicos da pesquisa, tais como metodologia, análise dos dados e resultados, devem ser preservados. No que tange à avaliação, para que um artigo científico seja validado cientificamente é necessário que seja avaliado por uma comissão científica e que seja divulgado. Além de tais exigências, o ciberartigo possui propostas de avaliação colaborativa online.
Vale a pena ressaltar que as duas modalidades de artigos possuem características particulares. O artigo tradicional está diretamente ligado à mídia impressa, já o ciberartigo, em virtude do seu suporte, possibilita a utilização de hiperlinks e hipermídias, o que também o diferencia da versão eletrônica (digitalização). Não podemos desconsiderar também que o artigo científico tradicional possui uma estrutura de base secular enquanto a sua versão digital possui poucas décadas. E, assim como a sociedade, ele também foi se modificando ao longo das evoluções tecnológicas. Entretanto, embora a internet promova uma maior facilidade e rapidez na busca e no compartilhamento de pesquisas científicas, muitas das informações ainda se apresentam em formato tradicional, mesmo que digitalizado. Dessa forma, deve-se considerar a existência dos dois tipos de gêneros de artigo científico: o Artigo Científico Tradicional, sendo impresso ou digitalizado; e o Ciberartigo.
É a partir da perspectiva desse novo gênero de artigo científico que surgiu o periódico Ciencidade-Ciberpub, o qual propõe a integração de linguagens e ferramentas que somente as tecnologias digitais podem oferecer, como por exemplo, a utilização de hipertextos e hipermídias. Com o presente trabalho pretende-se, portanto, analisar a funcionalidade do referido periódico, bem como suas contribuições para a comunidade acadêmica que se insere nessa nova era digital. Para tanto, procuramos apresentar os conceitos de hipertextos, sob as perspectivas dos principais estudiosos da área, e em seguida apresentar um panorama geral das funções e ferramentas do periódico Ciencidade-Ciberpub.
2 Sobre o Hipertexto
Hipertexto é uma série de itens lexicais textuais (denominados de blocos de informações ou nó) conectados por links, ou seja, um texto que se ramifica e permite uma interatividade ao leitor. Dessa forma, caracteriza-se por ser um texto não sequencial, visto que tais links podem direcioná-lo para outros textos, vídeos, imagens, etc. Logo, a ordenação da leitura deve partir do leitor, pois não há o compromisso com a sequência rígida da leitura inicial, possibilitando, então, uma interação com as novas informações que surgem durante a navegação e a possibilidade de o usuário criar sua própria linha de leitura, conforme evidencia Marcuschi:
[...] o hipertexto caracteriza-se, pois como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indetermidado, que segundo Bolter (1991:10), introduz um novo 'espaço de escrita', que ele caracteriza como "escrita eletrônica", tendo em vista a tecnologia de base [...] Ao permitir vários níveis de tratamento de um tema, o hipertexto oferece a possibilidade de múltiplos graus de profundidade simultaneamente, já que não tem sequencia nem topicidade definida, mas liga textos não necessariamente correlacionados. (MARCUSCHI, 1999, p. 1. apud FILHO, 2010, p. 89).
Segundo Marcuschi (1999), as principais características da natureza do hipertexto, além da não lineralidade (dita anteriormente), há a volatilidade, a topografia, a fragmentariedade, a acessibilidade ilimitada, a multisemiose, a interatividade e a iteratividade. Ainda nessa perspectiva, Xavier (2001) apresenta outras concepções que complementam as características do hipertexto, são elas: a imaterialidade, a ubiquidade, a convergência e a intertextualidade infinita. Já Lévy (1993, p. 15-16), com o intuito de preservar as múltiplas interpretações sobre o hipertexto, aponta características a partir de seis princípios abstratos, a saber:
Princípio de metamorfose: a rede hipertextual está em constante construção e renegociação.
Princípio de heterogeneidade: os nós e as conexões de uma rede hipertextual são heterogêneos. O processo sociotécnico colocará em jogo pessoas, grupos, artefatos, forças naturais de todos os tamanhos, com todos os tipos de associações que pudermos imaginar entre estes elementos.
Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: o hipertexto se organiza em um mundo "fractal", ou seja, qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede, e assim por diante, indefinidamente, ao longo das escalas dos grupos de precisão.
Princípio de exterioridade: a rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e sua diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um exterior indeterminado. Por exemplo: para a rede semântica de uma pessoa escutando um discurso, a dinâmica dos estados de ativação resulta de uma fonte externa de palavras e imagens.
Princípio de topologia: nos hipertextos, tudo funciona por proximidade, por vizinhança. Neles o curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos. A rede não está no espaço, ela é o espaço.
Princípio de mobilidade dos centros: a rede não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e depois correndo para desenhar mais à frente paisagens do sentido.
Para uma maior compreensão, seguem vídeos do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier na Conferência "Hipertexto: ampliando links para linguística, literatura e educação".
Vídeo 1 – Conferência do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier (Parte 1) / Fonte: Nehte UFPE
Vídeo 2 – Conferência do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier (Parte 2) / Fonte: Nehte UFPE
3 O periódico Ciencidade-Ciberpub: suas particularidades
Segundo pesquisa publicada na Revista USP, a partir de 2009, mais de um terço da produção científica brasileira vem sendo publicada em periódicos científicos. Esse percentual levou o Brasil a 13ª posição no ranking internacional de produção científica, ao passo que, em 2010, o número de periódicos indexados on-line em acesso aberto na Scientific Electronic Library Online (SciELO) alcançou a média de 10,6 milhões de downloads de artigos. A partir de tais dados, podemos observar a importância que os periódicos têm para a comunidade acadêmica com a divulgação das pesquisas científicas.
A exemplo da revista Kairos - uma revista americana on-line que visa à publicação de textos digitais e multimodais – o periódico Ciencidade-Ciberpub surge com a intenção de divulgação de trabalhos acadêmicos, mas com uma perspectiva inovadora e pioneira no Brasil. Diferentemente dos outros periódicos, o Ciencidade-Ciberpub tem como objetivo a produção e publicação de artigos científicos a partir das novas tecnologias digitais - Ciberartigo. E uma das suas principais características é que os pesquisadores não se limitam apenas em suas pesquisas, eles podem colaborar com outras pesquisas através do compartilhamento de textos, comentários e revisões dos trabalhos.
Idealizado pelo pesquisador Lucas Ferreira, o Ciencidade-Ciberpub foi desenvolvido em 2012 e se destaca por ser um periódico cientifico virtual completamente produzido para Web. Outra característica fundamental é que, diferente dos periódicos tradicionais, no Ciberpub, a submissão de trabalhos tem fluxo contínuo, ou seja, pode ser feita a qualquer momento.
Imagem 1- Publicação no Ciberpub / Fonte: Ciberpub
Atualmente, este periódico recebe trabalhos das áreas de Letras, Linguísticas, Educação e Comunicação Social, e visa atender também as diversas áreas do conhecimento. Outra grande diferença é que sua avaliação é baseada em Peer Review colaborativo, de modo que o usuário pode, além de solicitar avaliação do Conselho Editorial, solicitar também avaliações dos usuários, o qual fortalece ainda mais a discussão de textos científicos. Após apreciações, o pesquisador resume as avaliações e comentários e envia a algum membro do Conselho Editorial ou a algum pesquisador convidado, que tenham afinidade com a temática. Essa proposta de escrita colaborativa do Ciberpub se faz com comentários, revisões dos outros membros e edição do texto em coautoria.
Outro ponto bastante inovador neste periódico é que ele não funciona apenas como página de visualização e download de textos. Sua plataforma permite ao usuário que o texto seja criado na própria página (ver Imagem 2). Após o cadastro e assinatura do termo de uso, o usuário terá acesso à página de criação do Ciberartigo, a qual possui um layout semelhante aos editores de textos convencionais. Assim, mesmo que o Ciberartigo não esteja pronto, outros usuários poderão visualizar e trocar informações relevantes que possam contribuir para a pesquisa.
Imagem 2 - Resumo do processo de publicação / Fonte: Ciberpub
4 Considerações finais
A internet propiciou uma interação social jamais vista anteriormente, que ocasionou uma mudança cultural na sociedade, pois as pessoas buscam sempre estar conectadas para se relacionar com outras mesmo que em ambientes diferentes e geograficamente distantes. E, como todas as inovações tecnológicas que já abrangem todo o mercado e áreas do conhecimento, é preciso que haja também inovação nos textos científicos não apenas no conteúdo de suas informações, mas também na forma de sua criação e desenvolvimento. Ao utilizar esse recurso da internet – o interacionalismo - a discussão e a divulgação de pesquisas podem ser feitas a todo momento, o que antes só era possível em eventos científicos.
Diante de tudo que foi apresentado, pode-se afirmar que o periódico Ciencidade-Ciberpub é uma proposta inovadora e pioneira no Brasil, pois une as novas tecnologias digitais a fim de promover uma maior discussão, divulgação e compartilhamento de textos científicos. Vale a pena ressaltar que o Ciencidade-Ciberpub não recebe financiamento de nenhum órgão de fomento ou instituição, dificultando, assim, possíveis melhorias. Se a plataforma tivesse algum financiamento, certamente ela poderia ocupar o ranking das melhores plataformas internacionais, visto que ela emerge da necessidade de a comunidade acadêmica se adaptar às novas estruturas digitais.
Referências
FERREIRA, L. P. S. "Uma experiência de produção textual acadêmica para Web: um olhar sobre os ciberartigos". In: Congreso Iberoamericano de ciencia, tecnología, innovación y educación, 2014a, Buenos Aires, Argentina. Memorias del Congreso Iberoamericano de ciencia, tecnología, innovación y educación, 2014.
FERREIRA, L. P. S. Ciencidade: o ciberartigo como gênero acadêmico emergente da Web. 2014. 117f. Dissertação - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2014b.
FILHO, A. A. "A comunicação na era da nova tecnologia digital: a escrita no ciberespaço". In: Fólio - Revista de Letras. Vitória da Conquista, v. 2, n. 1, jan/jun 2010. p. 88-100.
MARCUSCHI, L.A. "Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto". In: Línguas, instrumentos linguísticos. Ed 3. Campinas: Pontes, 1999.
PACKER, A. L. "Os periódicos brasileiros e a comunicação da pesquisa nacional". In: REVISTA USP, São Paulo, n.89, março/maio 2011. p. 26-61
XAVIER, A. C. "Hiperleitura e interatividade na Web 2.0". In: Questões de leitura no hipertexto. RETTENMAIER, M.; RÖSING, T. M. K. (Org). Passo Fundo: Ed. Universidade de Passos Fundo, 2013.