"LEMBRAM-SE DO QUE FOI DITO?": A MEMÓRIA DISCURSIVA NO TWITTER

    Jaqueline Lima Fontes (Mestranda / UFS / jaquelinefontes21@gmail.com)

    Thayza Souza Carvalho (Mestranda / UFS / carvalhothayzas@gmail.com)

    Resumo: Neste artigo, pretende-se apresentar o funcionamento do discurso no Twitter por meio de alguns exemplos, buscando-se identificar, sobretudo, a relação entre dito/não dito e memória discursiva (PÊCHEUX, 1999; ACHARD, 1999), com base na Análise do Discurso de linha francesa. Para tanto, são analisados tweets extraídos da conta @ThinkOlga, visando refletir sobre a composição "estrutural" (recursos tecnológicos do microblog utilizados pelas pessoas) e nos modos como o discurso é produzido no Twitter. Os resultados mostram o uso de hiperlinks e de hashtags de forma a não apenas complementar, mas contextualizar o discurso publicado na rede social, o que nos permitiu identificar uma espécie de "acervo hipertextual" de memórias.

    Palavras-chave: Texto digital; Memória discursiva; Twitter.

     

    1 Introdução

    As novas tecnologias de informação e comunicação têm proporcionado a adaptação de gêneros textuais ao meio virtual bem como o surgimento de novos gêneros. Tem-se, nesse percurso de evolução tecnológica digital, a emergência de possibilidades diversas de comunicação, especialmente as que se dão por meio da internet. As redes sociais digitais, por exemplo, configuram um desses novos modos de se significar na sociedade, sobretudo porque são espaços em que as pessoas podem estreitar laços sociais mesmo com pessoas que se encontram geograficamente distantes.

    Por conta disso, vale buscar compreender como funciona o texto (em suas diversificadas formas: vídeo, imagem, etc.) no ciberespaço, pois é por meio do discurso que o sujeito se instaura na sociedade causando efeitos de sentidos. Para empreender tal objetivo, ancoramo-nos no viés teórico da Análise do Discurso de linha francesa para identificar, especificamente, a relação entre intradiscurso e memória discursiva (PÊCHEUX, 1988, 1999; ACHARD, 1999) em uma rede social digital, a saber, o Twitter.

    Para este artigo, focamos na conta de Twitter @ThinkOlga, em que selecionamos tweets para apresentarmos, por meio de alguns exemplos, como se dão os implícitos que compõem a memória discursiva no ambiente digital virtual, buscando-se destacar, também, a composição "estrutural" na proliferação desses discursos no microblog, tais como as apropriações tecnológicas de que as pessoas fazem uso para facilitar/potencializar a circulação de informações nesse meio.

     

    2 O texto em ambiente virtual: a emergência dos gêneros digitais

    A comunicação mediada pelo computador, especialmente após o surgimento da World Wide Web (BERNERS-LEE) com suas interfaces mais sofisticadas, tem possibilitado às pessoas a efetivação de novos modos de produção de discursos, que se dão tanto por meio da incorporação de gêneros textuais ao ambiente virtual (a carta pelo e-mail, o diário pelo blog, etc.) quanto pela criação de ferramentas que permitem a convergência de variadas mídias (vídeos, textos, imagens) em um mesmo espaço. Face a esta diversificação de linguagens que a internet permite criar/agregar, surgiram novos tipos de textos, os gêneros digitais. Assim como os gêneros antes existentes foram surgindo para suprir a demanda da sociedade, os digitais apareceram para atender as necessidades do novo "mundo internetizado". Marcuschi (2010) argumenta que:

    [...] pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir em um só meio várias formas de expressão, tais como texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. A partir disso, a rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística aceleram a penetração entre as demais práticas sociais. (MARCUSCHI, 2010, p. 16).

    Tais elementos presentes na nova tecnologia caracterizam o hipertexto, que segundo Xavier (2005, p. 171) "é uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade". Em Marcuschi (2001, pp. 82-89) vemos que o hipertexto vai além do virtual e se caracteriza como um "espaço cognitivo", pois extrapola o espaço "internetizado", exigindo do leitor operações lógicas a fim de estabelecer relação entre os textos. Por outro lado, embora o hipertexto esteja bastante associado a nova tecnologia, por causa da World Wide Web, "ele não é novo na concepção, pois sempre existiu como ideia na tradição ocidental; a novidade está na tecnologia que permite uma nova forma de textualidade" (MARCUSCHI, 2001, p. 94). Com o ingresso na era digital a produção de informação ganhou nova configuração. O computador possibilitou a produção de textos sem custos, em que é possível integrar, através de links, várias linguagens (gráficos, fotografias, vídeos, áudio etc.) de maneira a aumentar a construção de sentidos e eficácia da mensagem.

    Vídeo 1 - Les Mille et Une Nuits / Fonte: Musiquedumonde

    Na literatura (ver Vídeo 1), encontram-se registros antigos de processos hipertextuais, ainda que essa nomenclatura ainda não existisse. A exemplo desses registros, tem-se Les Mille et Une Nuits, coletânea de 12 volumes de histórias encadeadas, cuja disposição foi elaborada de modo a formar links.

    Com o aperfeiçoamento das formas de produção escrita, os livros se modernizaram e passaram a apresentar "vários elementos que conhecemos hoje em dia, tais como paginação, sumários, citações, capítulos, títulos, resumos, erratas, esquemas, diagramas, índices, palavras-chave, bibliografias, glossários etc" (DIAS, 1999, p. 270). Essa nova configuração possibilitou ao leitor maior interatividade com o texto, agora a leitura não estava presa a uma página atrás da outra, não seguia apenas uma ordem linear, o leitor passou a ter a liberdade de ler apenas partes que lhe interessam, ou ler não mais pela primeira página, ou ainda acessar o livro para visualizar uma imagem, ou conhecer outros autores que discorrem sobre o mesmo assunto. Em 1945, Venevar Bush pensou numa máquina de armazenamento e pesquisa, essa invenção ficou conhecida como Memex.

    Em sequência, foram desenvolvidos diversos sistemas de hipertextos, até que em 1989, Tim Berners-Lee propôs a World Wide Web (www), rede mundial de armazenamento multimídia, em que informações digitalizadas de textos, sons e imagens estão conectadas e espalhadas por computadores de todo o mundo. Dentro da web, as redes sociais são espaços em que o hipertexto é bastante explorado através do compartilhamento de informações, conhecimentos e objetivos comuns. Dentre as redes sociais mais acessadas estão Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, Youtube, entre outras. Esses ambientes permitem que o usuário dissemine suas ideias em rede, através de postagens de textos, sejam eles verbais ou não, em que é feito o uso de hiperlinks que se desdobram em inúmeros sites, potencializando a criação de acervos hipertextuais.

     

    3 O microblog Twitter e a Análise do Discurso: intersecções

    O Twitter foi criado por Jack Dorsey e lançado ao público em 2006, pela empresa Obvious Corporation. É um serviço que permite a postagem de mensagens curtas, cuja delimitação é de 140 caracteres no máximo. Por esse motivo o Twitter é chamado de microblog, pois apresenta características de um blog tradicional, porém com um formato diferenciado: além da delimitação do tamanho do texto a ser postado, no microblog as atualizações ocorrem a todo instante, tanto por meio de desktop como por dispositivos móveis (pelo celular, por exemplo). O Twitter permite várias maneiras de interações comunicativas entre as pessoas. Além de disponibilizar a opção de "seguir", que permite a um usuário receber atualizações de uma pessoa em seu feed de notícias, é possível, no Twitter, visualizar os conteúdos produzidos por outras pessoas, desde que estas não tenham seus perfis configurados em modo privado.

    Imagem 1 – Twitter / Fonte: Twitter

    Dentre as variadas opções do Twitter que permitem gerar interação com outras pessoas, a função de "mencionar" se destaca: basta, ao digitar um tweet, fazer referência à pessoa usando o sinal @ (arroba) seguido do nome do usuário, e publicar. Conforme destacam Santaella e Lemos (2010), "cada usuário possui, dessa forma, um fluxo pessoal - formado pelos tweets conjuntos de todos aqueles que esse usuário segue [...]; e também um fluxo coletivo - formado por todos os tweets que mencionam o seu nome de usuário" (SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 109). Para França (2014), o Twitter tem sido utilizado como importante ferramenta de mobilização social. Diante das diversas possibilidades de interação entre pessoas e do caráter informativo que o Twitter dispõe, como a capacidade de a pessoa ter dois tipos de fluxo - o pessoal e o coletivo - como apresentam Santaella e Lemos (2010), destaca-se, neste trabalho, o tratamento das funcionalidades do microblog na conversação, sobretudo naquelas que permitem às pessoas gerarem fluxos coletivos de discursos. Partindo do pressuposto de que o Twitter é uma rede social representativa do "lugar em que os acontecimentos são 'atualizados' a todo instante", por meio da divulgação e troca de informações, o embasamento teórico deste trabalho será pelo viés da Análise do Discurso (AD), fundada na década de 1960, por Michel Pêcheux, que tem como objeto o discurso.

    Com o surgimento de mídias eletrônicas (televisão, rádio, computador), e, sobretudo, da internet, novas formas de produção de sentidos ganharam destaque na sociedade atual. As condições de produção nas redes sociais digitais, nesse caso, podem ser apreendidas a partir da observação do contexto social histórico mais amplo em que os discursos se inserem, mas também pelos diversos recursos tecnológicos criados e utilizados pelas pessoas para gerar novas e diversificadas formas de manifestações discursivas. Para exemplificar essa questão, apresentamos neste trabalho tweets relacionados à conta @ThinkOlga. O grupo Think Olga, criado pela jornalista Juliana de Faria, é um grupo que objetiva "elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje" (On-line. Acessado em 29 de junho de 2015). O grupo possui perfil em Blog, e nas redes sociais digitais Pinterest, Instagram, Facebook e Twitter. Focamos no Twitter por ser uma ferramenta de publicação de informações que se dá a todo instante. Outro fator que se destaca no Twitter é sua interface aberta, que permite às pessoas a criação de affordances, a exemplo da hashtag.

    Justamente por o Twitter ser um espaço onde o compartilhamento de opiniões e informações tem possibilitado identificar a produção de sentidos por meio das manifestações discursivas faz-se necessário observar como funciona o intradiscurso - o discurso tal como é formulado pelo sujeito (PÊCHEUX, 1988) - na relação com o interdiscurso, isto é, a memória discursiva. Na AD, a memória discursiva "seria aquilo que, em face de um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os implícitos (quer dizer, mais especificamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos transversos, etc.) de que sua leitura necessita" (idem, 1988, p. 52). Assim, no interdiscurso a nossa memória não é individual, mas coletiva, desse modo ativamos uma teia de significados e através da linguagem construímos ideias e articulamos saberes que são perpassados por várias ideologias presentes nas diversas formações discursivas. Segundo Orlandi (2005, p. 15) "o discurso é assim palavra em movimento", deste modo o interdiscurso é o movimento do discurso. Assim, as ideias são adquiridas por meio da linguagem e através dela o sujeito movimenta as palavras, que são sociais, imaginando que o discurso por ele proferido é original, quando na verdade ele apenas recupera o que está arquivado na memória discursiva.

    Quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não somos o início delas. Elas se realizam em nós, em sua materialidade. Essa é uma determinação necessária para que haja sentidos e sujeitos (ORLANDI, 2005, pp. 35-36).

    É através da memória que uma pessoa recupera informações e ativa uma rede de implícitos que, sob a forma de repetição, causa um efeito de série, espécie de "regularização" que ocorre por meio de remissões, de retomadas e de paráfrases (PÊCHEUX, 1999, p. 52 apud ACHARD, 1999). O texto, portanto, é uma trama que articula conceitos, crenças, modos de organização social que se entrecruzam para produzir um novo sentido; de tal modo as opiniões e informações proferidas no Twitter recuperam discursos proferidos em outros momentos e permite que o sujeito transite por diferentes formações discursivas.

     

    4 O funcionamento da memória discursiva no Twitter: o caso da conta @ThinkOlga

    Como procedimento metodológico para a coleta de dados, seguiu-se alguns critérios: i) os tweets estarem escritos em língua portuguesa; ii) os tweets mencionarem a conta @ThinkOlga e/ou terem sido postados por ela; iii) os tweets possuírem a hashtag 'chegadefiufiu'. Selecionamos como parâmetro de busca a hashtag 'chegadefiufiu' por esta se relacionar a uma campanha promovida pela ThinkOlga e por gerar, ao nosso ver, uma participação mais ativa das pessoas nessa conta. O mecanismo de busca utilizado para a coleta foi o Twitter Advanced Search, por meio da 'busca avançada', em que coletamos os tweets publicados em novembro de 2014. Dos 26 (vinte e seis) tweets coletados, identificou-se a presença de links que remetem a outros sites em 17 tweets. Como visto na primeira seção deste artigo, o hipertexto tem a função de conectar vários textos possibilitando a construção não linear de conhecimentos na medida em que, por meio de hiperlinks, o leitor é "transportado" a outros textos/páginas. Citando Paulo Freire, Xavier (2010) diz que "se para ler/entender a palavra é necessário saber antes ler o mundo, o hipertexto vem consolidar esse processo, uma vez que viabiliza multidimencionalmente a compreensão do leitor pela exploração superlativa de informações, muitas delas inacessíveis sem os recursos da hipermídia" (XAVIER, 2010 apub MARCUSCHI e XAVIER, 2010, p. 210).

    Assim, destaca-se que o uso de links acentua o processo de conhecimento conforme oferece ao leitor diversas possibilidades de recuperar e de relacionar informações. No Twitter, microblog que se caracteriza pela configuração de postagem limitada a 140 caracteres por postagem, o uso de links mostra-se bastante produtivo, já que na falta de espaço para escrever tudo que se pretende o link acaba exercendo o papel de "complementador" do texto. Observe-se:

    Excerto (1):

    Informante-1: 17 de nov. RT @ThinkOlga: #chegadefiufiu http://www.catarse.me/pt/videochegadefiufiu … - bora ajudar a fazer documentário sobre a violência q assola as mulheres. AJUDEM

    O link que remete à página do Catarse contextualiza o discurso, já que atua como um complemento à vocação feita no tweet para que as pessoas assistam ao vídeo e conheçam a campanha. Registra-se a presença de dois termos que, ao nosso ver, se destacam no segmento discursivo: "violência" e "assolar". São termos que, ao tomarmos o contexto mais amplo (o documentário e os objetivos da campanha 'Chega de Fiu Fiu' do link), pode-se realizar seu encaixe e, assim, desvendar os implícitos de tais inscrições no discurso. O verbo 'assolar', que significa "destruir; por em grande aflição" (HOUAISS, 2009), e o termo 'violência' nos dão uma ideia do que o assédio sexual significa para o informante-1. Por estes termos, é possível observar a posição que o sujeito assume: é evidente que ele se coloca contra o assédio sexual, ao identificar-se com uma formação discursiva "feminista" com a qual se identifica os fundamentos da Campanha. A memória discursiva, por sua vez, emerge dessa conjuntura relação entre "aflição/violência" e a questão do assédio, isso porque o assédio sexual, mesmo do tipo verbal, tem se constituído como um tipo de violência à mulher, porque a oprime em seus direitos.

    Embora no intradiscurso o não dito esteja presente sob as marcas de um dizer que se ancora na memória discursiva (um já dito), sempre é fácil identificá-lo, já que, segundo Orlandi (2001) ele pode ter várias facetas: "se digo "deixei de fumar" o pressuposto é que eu fumava antes [...]. O posto (o dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (não dito mas presente). Mas o motivo, por exemplo, fica como subentendido. Pode-se pensar por que me fazia mal. Pode ser também que não seja essa a razão. O subentendido depende do contexto" (ORLANDI, 2001, p. 82). Observe-se:

    Excerto (2):

    Informante-2: ‏@ThinkOlga 24 de nov. Nos dizem que há coisas mais urgentes...#chegadefiufiu https://www.facebook.com/chegadefiufiu/photos/a...

    Para o leitor que não conhece a Campanha 'Chega de Fiu Fiu' (ver Vídeo 2), o segmento discursivo em (2) pode ser de difícil compreensão, pois apenas o uso da hashtag não é capaz de contextualizar de forma clara a discussão colocada em pauta no tweet. Para auxiliar a compreensão do que se publica no Twitter, o uso de hiperlink remetendo a um possível contexto da conversa é capaz de situar até o leitor menos familiarizado com o assunto. Os segmentos discursivos "nos dizem que há coisas mais urgentes...", publicado pela @ThinkOlga no Twitter, só faz sentido quando associado ao contexto mais amplo que é o conteúdo do hiperlink. Neste, observa-se uma imagem que foi postada no Facebook. Ao ver a imagem, o leitor é mais uma vez instigado à interpretação, na busca de uma resposta para: "afinal, do que se trata o tweet?", "qual o sentido da afirmativa 'nos dizem que há coisas mais urgentes?'". Com efeito, acessando o hiperlink tem-se uma possível resposta ao enunciado do Facebook: "Algumas pessoas -- por vezes mal-intencionadas, por vezes ignorantes da gravidade do problema -- nos dizem que há coisas mais urgentes para se lutar contra do que o assédio sexual".

    Vídeo 2 – Chega de Fiu Fiu / Fonte: Chega de FIUFIU

    Uma vez investigado o contexto do discurso, ou melhor, sua condição de produção, cabe identificar quais efeitos de sentidos ele deixa escapar. Afinal, o sujeito é um ser histórico e social, que produz seu discurso para o "outro" das suas relações sociais (no caso do discurso no ciberespaço, vale ressaltar que as relações sociais tomam proporções mais amplas). Todos os sentidos evocados pela formulação "Nos dizem que há coisas mais urgentes..." demonstram uma visão perpassada pela memória discursiva, mas, no entanto, para entendê-la é preciso observar a conjuntura em que foi enunciada. De tal forma, o Think Olga é uma conta do Twitter que promove o feminismo, assim, ao apresentar, em tom de revolta, uma ideia que é perpetuada, mas que não compactua, isso pode ser observado pelo verbo modalizado e uso de aspas, é retomada a desvalorização que as mulheres sofrem desde o começo das civilizações. Embora tenham conquistado espaços na sociedade, essa autonomia aparece de forma velada, pois a liberdade aparentemente conquistada cai por terra sempre que não dão a devida atenção ao assunto, alegando existir coisas mais urgentes que olhar para milhares de mulheres que são vítimas de assédio sexual diariamente.

    Assim, o sujeito que enuncia se filia a uma formação ideológica feminista a partir da contradição com o machismo, essa afirmação pode ser constatada através do contexto imediato, que inclui o site feminista Think Olga, que está promovendo sua campanha contra o assédio sexual, mal que acomete diariamente várias mulheres. Essa formação ideológica tem seus sentidos produzidos a partir das formações discursivas presentes nos segmentos "Nos dizem" e "há coisas mais urgentes...". Assim, o pronome "nos" faz referência aos sujeitos que estão recebendo a mensagem, logo, de acordo com o contexto de produção, são mulheres que lutam pela causa feminista e o verbo "dizer" flexionado na terceira pessoa significa que os que praticam essa ação são sujeitos que não fazem parte do mesmo grupo, essa ideia é ratificada quando observado o segundo segmento "há coisas mais urgentes" em que é perpassado um juízo de valor, o de que a luta contra o assédio sexual não é tão importante, o de que a desvalorização feminina não é tão preocupante quanto outros problemas que assolam a sociedade, como falta de escolarização e saúde, por exemplo.

    Dessa forma, no excerto (2), as impressões do já-dito ocorrem por meio da posição de sujeito: observa-se um enunciador que traz para a cena de seu discurso uma resposta a outrem, disfarçado no dito "nos dizem", de forma a confrontar uma formação discursiva cuja ideologia está atrelada a manifestações discursivas que não consideram o assédio sexual como um tipo de violência (ou, ao menos, não dão a devida atenção ao assunto). Mas, ao mesmo tempo em que o enunciador "responde" a outros que "dizem que há coisas mais urgentes para se lutar contra do que o assédio sexual" coloca sua resposta inserida numa coletividade quando diz "nos dizem". O pronome "nos" que aí se apresenta institui-se, portanto, num "espaço social" que, implicitamente, afirma a existência de uma coletividade que luta contra o assédio.

    Excerto (3):

    Informante-3: ‏@ThinkOlga 17 de nov. NOSSO CORAÇÃO: @LaerteCoutinho1 (assim como outros 100 lindos) apoiou a #chegadefiufiu http://www.catarse.me/pt/videochegadefiufiu …Ver foto

    Excerto (4):

    Informante-4: 18 de novTotal apoio ao documentário #chegadefiufiu das queridas do @ThinkOlga! Quem contribuir, ganha um cordel exclusivo escrito por mim. ;)

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  • A partir dos excertos (3) e (4) é possível observar claramente a relação entre o já-dito (interdiscurso) e o que está sendo dito (intradiscurso). Está na memória popular que para um projeto, programa, produto ou serviço atingir grande visibilidade, além da grande divulgação, uma estratégia é associar o que está sendo anunciado a alguém famoso ou autoridade no assunto, o incentivo através da recompensa também é outro método para conseguir a adesão do público.

    A campanha Chega de fiu fiu conseguiu o apoio de personalidades como Laerte Coutinho e Jarid Arraes, quando estas figuras públicas escreveram em suas contas do Twitter "Eu apoiei este belo projeto do Chega de Fiu-Fiu!", "Total apoio ao documentário #chegadefiufiu das queridas do @ThinkOlga!" estas palavras significaram e através de tais formações discursivas tornaram evidente a ideologia feminista. Também fica subtendido que, assim como eles, figuras públicas, confiam e apoiam a campanha, os outros também podem confiar; tais palavras também conclamam os fãs, pois ao escreverem no Twitter e usarem a hashtag "chegadefiufiu" direcionam seus seguidores a página da campanha influenciando também a adesão, pois os fãs estabelecem uma relação de identidade.

    O incentivo de Jarid Arraes, ao presentear uma pessoa com um cordel exclusivo, aumenta as chances de mais pessoas aderirem à campanha, primeiro por não ter que pagar pela obra, segundo pelo fato de ser um cordel exclusivo, o que aumenta a importância da obra. Assim, esse discurso de adesão está ressignificando na medida em que, o sujeito, para construir seu discurso retorna ao que já foi dito em outras condições de produção através dos elementos pré-construídos.

     

    5 Considerações Finais

    É importante observar que o sucesso da campanha se deu, em grande parte, pelas facilidades oferecidas pela internet e o sistema de hipertexto. A oportunidade de não apenas ler o que o Think Olga postava, mas de retweetar, curtir e adicionar links sobre o tema tornou o assunto muito mais conhecido e possibilitou a circulação rápida pela rede de computadores, atingindo milhares de pessoas em espaços distintos. O custo de produção que, antes da era digital, era um dos problemas para a divulgação, por causa dos gastos na confecção de cartazes, folders, não existe mais, pois a conta do Twitter é gratuita e ainda permite a inclusão de outros recursos como imagem, foto, links e vídeos. Além disso, no que diz respeito à memória discursiva, a internet constitui um acervo hipertextual de memórias que podem ser acessadas em diversos lugares, repetidas vezes.

     

    Referências

    ACHARD, P. et al. O papel da memória. Trad. José Horta Nunes. Campinas: SP: Pontes, 1999.

    ALEXANDRE, L. R. B. O perfil fake como gênero do Twitter. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Piauí: Programa de Mestrado em Letras, Teresina, 2012.

    FRANÇA, L.C.M. "´Occupy Brazil´: configurando uma rede de reações”. In: Revista Culturas Midiáticas. Ano VII, n. 12 - jan-jun/2014.

    HOUAISS, A; VILLAR, M. de S. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

    MARCUSCHI, Luiz Antônio. "O hipertexto como novo espaço de escrita em sala de aula". In: Linguagem e Ensino, vol. 4, nº 1, 2001, p. 79-111.

    MARCUSCHI, L. A. "Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital". In: MARCUSCHI, L. A. e XAVIER, A. C. (Orgs.). 3ª Ed. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. São Paulo: Cortez, 2010.

    ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.

    SANTAELLA, L e LEMOS, R. Redes sociais digitais: a cognição conectiva do Twitter. São Paulo: Paulus, 2010.

    XAVIER, Antônio Carlos. "Leitura, texto e hipertexto". In: MARCUSCHI & ______(orgs). Hipertextos e Gêneros Digitais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p.170-180.