INTERNETÊS: UM ESTUDO DE CASO

    Débora Reis Aguiar (Mestranda / UFS / debora.reis@hotmail.com)

    Gládisson Garcia Aragão Souza (Mestrando / UFS / gladissonsouza@gmail.com)

    Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o uso do internetês e se o uso das hashtags apresenta um novo padrão de escrita ou se seu uso se aproxima da norma culta, com base nos estudos de Freitag et al (2006) e Thurlow & Brown (2003). Os aspectos linguísticos presentes nas hashtags não representam uma variação linguística, nota-se o uso pouco frequente da máxima da brevidade e velocidade, a homofonia torna-se ausente uma vez que os indivíduos preferem o uso da norma culta, quando a última máxima da aproximação fonológica se apresenta pouco frequente no corpus analisado.

    Palavras-chave: Texto Digital; Internetês; Hashtags.

     

    1 Introdução

    Hodiernamente, observa-se o grande crescimento do uso das redes sociais. Os jovens são os maiores utilizadores deste ciberespaço, o utilizam como forma de interação rápida e veloz com os demais interactantes.

  • Nessa interação, faz-se necessário, pela própria agilidade, a utilização de uma linguagem mais simplificada, mais relacionada com a linguagem oral e informal, por se fazer uso de palavras abreviadas ou representadas por fonemas.

    Assim, a internet vem revolucionando a forma de se comunicar, e essa linguagem típica de internet "o internetês" que está sendo utilizada tem preocupado no que diz respeito a influência dela para inadequação do uso em ambientes diferenciados, por exemplo, na escola que se pede uma linguagem baseada na norma-padrão do português.

    Baseado neste contexto de contraste de linguagens, o objetivo deste artigo é observar o uso do internetês e analisá-lo pelo viés sociolinguístico de forma que evidencie: 1) se seu uso é considerado uma variação linguística; 2) Se o uso das hashtags está trazendo um novo padrão de escrita ou aproximando-se da norma-padrão? 3) A linguagem da internet é uma variação ou um padrão de língua?

    No vídeo a seguir há uma abordagem do que é o internetês, como os estudiosos percebem esse fenômeno e as discussões acerca de tal objeto de estudo.

    Vídeo 1 – Internetês / Fonte: GGTE UNICAMP

     

    2 Gênero Digital

     

    O gênero digital emerge com todo o aparato tecnológico e com a revolução nos meios de comunicação, ou seja, com o frequente uso do computador e principalmente da internet. Nesse novo contexto de interação e produção, as formas de linguagem também mudaram, consequentemente surgem novos parâmetros textuais e ressignificações dos gêneros textuais produzidos até então.

    Segundo Marcuschi (2008), "os gêneros são padrões comunicativos socialmente utilizados, que funcionam como uma espécie de modelo comunicativo global que representa um conhecimento social localizado em situações concretas" (MARCUSCHI, 2008, p. 190).

    Os gêneros têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma, isto é, as distinções entre um gênero e outro não são predominantemente linguísticas e sim funcionais. Nos vários tipos de entrevistas, por exemplo, a função determinará o gênero textual exato (MARCUSCHI, 2008, p.150).

    Com o advento da Internet, e com a nova cultura eletrônica, outros gêneros apareceram como transmutações de gêneros já existentes. Trazendo consigo um caráter de flexibilidade – sobretudo àqueles provenientes do uso das tecnologias nas relações de saber. Temos os chamados "gêneros digitais" ou "emergentes" (BRITO, 2013). Em seu texto Nascimento expõe alguns princípios universais que pode ser encontrado nesse novo tipo de texto.

    No gênero digital, temos novas ferramentas que auxiliam na busca de novos significados, no aprofundamento dos conteúdos. O texto sai do status de algo linear e estático para os denominados recursos multimodais.

    Dentre esses dispositivos multimodais está o hipertexto, considerado por Kensky (2003, p. 62 apud BRITO, 2013) "um caminho para a informação". Assim, o hipertexto é entendido como um texto disponível em espaço virtual que permite uma leitura não linear, em função de sua organização em blocos de conteúdo que se conectam por elos hipertextuais, também conhecido como links trazendo em seu bojo elementos verbais, imagéticos, sonoros.

    Para Lévy (1993) trata-se de "um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos".

    O hipertexto refere-se à escritura eletrônica não sequencial e não linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Assim, o leitor tem condições de definir interativamente o fluxo de sua leitura a partir de assuntos tratados no texto sem se prender a uma sequência fixa ou a tópicos estabelecidos por um autor. Trata-se de uma forma de estruturação textual que faz do leitor simultaneamente coautor do texto final. O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. Assim, ao permitir vários níveis de tratamento de um tema, o hipertexto oferece a possibilidade de múltiplos graus de profundidade simultaneamente, já que não tem sequência definida, mas liga textos não necessariamente correlacionados. (MARCUSCHI, L. A., 2011).

     

    3 O internetês

    O internetês é uma linguagem mais informal e simples que surgiu no ambiente da internet a fim de facilitar a rápida comunicação nas redes sociais. Com a amplificação do uso dessas redes há uma apropriação maior do internetês por parte dos usuários e uma inadequação do uso dessa linguagem, ou seja, está sendo usadas em ambientes que requerem uma linguagem mais formal.

    O internetês é conhecido por abreviar palavras, pelo processo de redução de termos, pelo uso de "emoticons" para agilizar o processo comunicativo, pois vive-se a era da efemeridade.

    Surge um embate entre a linguagem escrita da norma padrão e o internetês, porque os jovens, principalmente, se apropriam da linguagem coloquial e em momentos que exigem a escrita da norma padrão não a utilizam, mantêm os vícios da internet.

    O escritor Michel Laub afirma que a internet tornou os textos mais naturais e coloquiais, embora não seja a única responsável por essas mudanças.

    O texto da internet é um texto em geral mais coloquial, menos "literário", no sentido de ser mediado por truques de estilo. A internet não inventou a coloquialidade, mas fez com que ela passasse a soar mais natural para muito mais gente e, estatisticamente ao menos, virou um certo padrão. (MURANO, 2011).

    Questionamentos imediatos que surgem são: 1. Se há variedades linguísticas na internet? Ou se a linguagem da internet é uma variedade linguística? Como o escritor anteriormente afirmou a linguagem da internet se tornou em um certo padrão, assim percebemos que não se trata nem de uma nem de outra, mas sim de uma minimização dialetais, por exemplo, já que o internetês se encaminha para um padrão.

    Na internet, percebemos que há regras para uma boa interação entre os membros das redes sociais. A netiqueta (do inglês "network" e "etiquette") estabelece recomendações para a comunicação virtual, assim como condutas na net. Na Imagem 1, temos algumas regras para o uso das redes sociais.

    Imagem 1 – Regras para o uso das redes sociais / Fonte: SafeNet

    No entanto, há uma nova tendência nesse ciberespaço, o uso das hashtags que já traz um novo padrão de escrita nesse espaço, as palavras comumente são escritas se aproximando mais da linguagem padrão da norma culta, por exemplo, #felizcomseucuidado. Percebemos que a palavra é escrita por completo, iniciada pelo símbolo "#" e mesmo sendo uma frase, as palavras são justapostas, essa é uma forma de compartilhar seu pensamento e adquirir maiores seguidores ou compartilhamentos.

    Com base no internetês e nessa nova tendência de uso de hashtags, discutiremos brevemente na nossa análise sobre as variações ocorridas no ciberespaço, e se realmente caminhamos para uma variação linguística ou para a afirmação/manutenção de um padrão linguístico.

     

    4 Particularidades da Escrita no Ambiente Virtual

    O processo interacional da produção discursiva em salas de bate-papo na Internet produz o uso de um código escrito e escolhas linguísticas da linguagem espontânea e informal oral cotidiana (COSTA, 2005, p.24). Dessa forma o texto escrito ganha características do texto falado, com traços da conversação em tempo real, trazendo em si marcas de naturalidade e informalidade. Sendo esse texto uma construção feita em conjunto, revelando o grau de aproximação e envolvimento entre os interlocutores envolvidos no diálogo.

    Para Costa (2012), a escrita desenvolvida nos ambientes virtuais revela em si características particulares, que violam as normas ortográficas do português padrão. Segundo a autora, tais infrações ocorrem devido a necessidade de agilidade e dinamismo na esfera virtual, os indivíduos produzem uma grafia que se afasta da escrita convencional, já que o elemento mais importante para os interlocutores é a interatividade. Othero (2004, p. 23) relata que devido à necessidade da agilidade na esfera virtual, a escrita virtual vem apresentando como característica o uso de frases curtas e expressivas, palavras abreviadas ou modificadas para que sejam escritas no menor tempo possível (ver Imagem 2).

    Imagem 2 – GRUMP / Fonte: Orlandeli

    Segundo Thurlow & Brown (2003), o uso da língua em ambientes virtuais apresenta três máximas que servem o princípio da socialidade, a saber: Brevidade e velocidade; Restituição paralinguística; Aproximação fonológica.

    A dupla máxima de brevidade e velocidade manifesta-se de forma frequente nas abreviaturas de itens lexicais e com o uso mínimo de capitalização bem como pontuação gramatical. A segunda máxima de restituição paralinguística procuram suprir a perda aparente de características prosódicas e sócio-emocionais, a terceira máxima da aproximação fonológica gera o registo informal adequado à orientação relacional de mensagens de texto. Segundo Freitag et al (2006), a máxima da aproximação fonológica representa a quebra das convenções ortográficas em favor da economia e agilidade na comunicação. Ainda segundo Thurlow & Brown (2003), a segunda e a terceira máxima aparecem para substituir a máxima velocidade brevidade, mas na maioria dos casos todos os princípios são servidos simultaneamente e igualmente (THURLOW & BROWN, 2003). O texto em ambientes virtuais apresenta ainda a característica do hipertexto. Para Marcuschi (2001), o hipertexto apresenta-se como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. Rompendo a estrutura convencional e as expectativas a ela associadas.

    [Bolter] descreve o hipertexto como um novo espaço de escrita, uma nova área que vai além do espaço da folha de papel e além do espaço do livro e, além disso, é uma realidade apenas virtual. É um espaço aberto, sem margens e sem fronteiras". (BOLTER, 1991 apud MARCUSCHI, 2001, p.82).

    Podemos observar um exemplo do internetês na Imagem 3.

    Imagem 3 – Exemplo do Internetês/ Fonte: Perlbal.hi

    Nesse diálogo, há um caso típico de internetês, pois para manter um diálogo rápido e adequar-se ao contexto do espaço onde estão alocados, os interlocutores fazem uso dos três princípios propostos por Thurlow & Brown (2003). No tópico a seguir, analisaremos alguns casos ocorridos no ciberespaço.

     

    5 Análises

    Nosso corpus é constituído por hashtags, as quais foram escolhidas aleatoriamente de uma rede social para a discussão dos padrões linguísticos empregados. Como critério de inclusão, os indivíduos deveriam usar no mínimo três hashtags, o corpus que apresentassem menos do estabelecido ou que apresentassem duas hashtags em outro idioma seriam eliminados.

    (1) #fortaleza #ferias #nordeste

    Em (1), percebe-se que o interactante utiliza-se de um conjunto de hashtags e se distancia do internetês normalmente utilizado, justamente por estar englobado nessa "nova" forma de comunicação deste ciberespaço. Assim, infringiria os princípios elaborados por Thurlow e Brown (2003), no caso de #ferias, a palavra vem sem acentuação, mas não quebra o entendimento ao seu interlocutor e as demais hashtags vieram sem iniciais maiúsculas. Logo, a tendência percebida é que há uma maior aproximação da norma culta do que ao internetês, evidentemente não deixa de ser uma linguagem típica deste espaço, porém como acreditam (FREITAG; FONSECA E SILVA, 2006):

    [...] o uso da língua em ambientes de comunicação virtuais está indo em direção ao surgimento de um subconjunto da norma padrão – uma espécie de sub-norma – condicionada pelas pressões do meio. Cabe salientar que não se trata de mais uma variedade, mas sim de uma sub-norma, um subconjunto da norma, pois não podemos fazer a associação entre variedade e região. A sub-norma da Internet não tem pátria; não apresenta características dialetais, apenas um sub-conjunto do 'núcleo-duro' da norma padrão. (FREITAG; FONSECA E SILVA, 2006, p.02).

    Fica evidente que a linguagem utilizada nas redes sociais não caminha para uma variação linguística, uma vez que se mantém um padrão comunicacional em todo o Brasil, o que se leva a perceber que se encaminham realmente para um padrão linguístico, seja o internetês, seja as hashtags com uma maior aproximação da língua culta.

    (2) #FOCO #alunos #Simulado

    Em (2), a primeira hashtag já foge da regra estabelecida pelo internetês, a netiqueta, onde parece que o locutor está gritando, nesse caso leva a crer que é uma forma de chamar a atenção para seu post, ainda é demarcada a escrita correta das palavras, ou seja, de acordo com a norma culta.

    (3)#cognição #emoção #infância #dificuldadesdeaprendizagem

    Em (3), temos um conjunto de quatro hashtags, sendo as três primeiras compostas por apenas uma palavra cada, todas grafadas corretamente e a última hashtag é formada por uma frase, sem nenhum erro ortográfico ou acompanhando o internetês, linguagem simples e rápida da internet; e pelo padrão das hashtags, todas as palavras escritas juntas e de fácil compreensão para o leitor.

    No uso das hashtags, observa-se que a máxima da brevidade e velocidade é pouco presente, uma vez que os indivíduos evitam o uso das abreviações preferindo escrever a palavra por inteiro, sem a preocupação com a economia de espaço e de perder mais tempo digitando toda a palavra.

    O uso de letras maiúsculas não segue o código proposto por Thurlow & Brown (2003), de que o uso de letras maiúsculas significa que o internauta está gritando, quando ocorre o uso de letra maiúsculas nas hashtags significa apenas que o indivíduo inseriu outra palavra, porém percebe-se que os sinais de pontuações seguem a tendência que o autor propôs, sendo esses praticamente abolidos, tidos como desnecessários.

    Quanto ao uso da segunda máxima, relacionada às intuições linguísticas, nota-se que não ocorre o uso da homofonia, pois o uso da palavra aproxima-se à norma culta, sem a preocupação com a economia de caracteres, contudo, ocorre o uso de palavras/textos sem espaço, com o intuito de que o conteúdo do seu post seja acessível a todas as pessoas com interesses semelhantes. Entretanto, o uso de hashtags em excesso ou muito longas acaba deixando o post confuso.

    O uso da última máxima, denominada de aproximação fonológica, é pouco frequente, mostrando que o indivíduo preocupa-se com o receptor de sua mensagem, tornando essa acessível a todos que compartilhe o seu interesse.

     

    6 Considerações Finais

    Com o advento das tecnologias e da internet houve uma crescente transformação na linguagem e em suas formas de uso. O internetês, uma linguagem típica da internet, é utilizada pelos usuários das redes sociais que consiste na ideia de rapidez e brevidade, a qual entra em divergência com a norma padrão da Língua Portuguesa e abre algumas discussões sobre o uso e adequação das linguagens nos ambientes apropriados.

    Esse embate linguístico, como vimos traz alguns questionamentos sobre essa nova forma de escrita, "se encaminha para um padrão ou uma variação linguística?". De acordo com as abordagens deste artigo, percebemos que tanto o internetês quanto o uso das hashtags estão mais voltados para uma manutenção de um padrão linguístico, evidentemente com suas peculiaridades. No caso do Internetês é um padrão no que se refere de ter uma linguagem comum a todos os usuários das redes sociais brasileiras, como há de ter em outras línguas; já o uso das hashtags favorece a manutenção do padrão linguístico proposto pela norma culta brasileira.

    Ainda a respeito do grande conflito entre as duas linguagens abordadas: a norma-padrão e o internetês, o professor Dr. José Luiz Fiorin, linguista, faz contribuições acerca do assunto no vídeo a seguir:

    Vídeo 2 – Internetês / Fonte: FIORIN

    A fala dos professores no vídeo, corroboram para o que também chamamos a atenção neste trabalho: a adequação do uso destas linguagens nos contextos socioculturais nos quais se encontram os usuários da internet. A escola tem um papel fundamental nesse processo, tanto de trabalhar as tecnologias como de orientar os alunos para o uso correto e para a diversidade linguística do português.

    Referências

    BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. M. E. G. Pereira, São Paulo: Martins Fontes, p, 181-360. 1997.

    BRITO, F. F. V.; SAMPAIO, M. L. P. "Gênero digital: a multimodalidade ressignificando o ler/escrever". In: Signo (UNISC. Online), v. 38, nº 64, p. 293-309, 2013.

    COSTA, G. B. "A escrita no ambiente digital e suas implicações para o ensino de Língua Portuguesa". In: Revista Philologus, v. 53, p. 7, 2012.

    COSTA, S. R. "Oralidade, escrita e novos gêneros (hiper)textuais na Internet". In: FREITAS, M. T. A.. COSTA, S. R.. Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

    FREITAG, R. M. K. ; SILVA, M. F. "Uma análise sociolinguística da língua utilizada na Internet: implicações para o ensino da Língua Portuguesa". In: Revista Intercâmbio, volume XV. São Paulo: LAEL/ PUC-SP, ISNN 1806-275X, 2006.

    MARCUSCHI, L. A. "O hipertexto como novo espaço de escrita em sala de aula". In: Linguagem e Ensino, vol. 4, nº 1, 2001, p. 9-111.

    _________________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

    THURLOW, C.; BROWN, A.. "Generation Txt? The sociolinguistics of young people's text-messaging". In: Discourse Analysis Online, 1.1. 2003.

    MURANO, Edgard. O texto na era digital. 2011.